quarta-feira, 30 de julho de 2008

Conclusão:“IT’S ALIVE! IT’S ALIVE!”

(o título faz  menção ao famoso grito de Dr.Frankenstein, no filme de 1931, Frankenstein,quando, pela primeira vez, o monstro se mexe)

Poderíamos nos apropriar da tenebrosa imagem do médico e do monstro famosos de Mary Shelley, para mostrar o que se insurge diante de nós quando misturamos o olhar do estrangeiro, brincadeira de criança e muita imaginação: o escritor. Aquele capaz de possuir a fórmula do Dr.Jeckyll e transformar-nos (nós leitores) em Mr.Hydes. Deixar insurgir dentro de nós o que havia de mais oculto, mais temido e escondido durante a leitura de seus textos[1].

E o que contém essa fórmula? Um dos ingredientes sabidos é a linguagem.

Pode-se encontrar um mundo novo por trás dos objetos, mas é preciso fazer esse mundo falar uma língua especial para que seja notado.

Deluze, no prólogo de Critica e Clinica escreve que Proust dizia que o escritor inventa uma língua nova, uma língua estrangeira no interior da língua cotidiana, normalmente usada, banalizada, pois ela coloca em ação mudanças que normalmente não são percebidas no interior dessa. Ele quebra o mutismo gerado por aqueles que não conseguem mais se expressar (que não vêem o que mais pode ser expresso) por não enxergarem por entre sua fragmentação o que há por debaixo do seu estado de anestesia, melancolia, comodidade. E escrever acaba se tornando ser estrangeiro na sua própria língua e ser capaz de captar coisas novas e brincar com as palavras que falam e ocultam ao mesmo tempo. Escrever “não é contar as próprias lembranças, suas viagens, amores e lutos, sonhos e fantasmas”. (Deleuze, 1997 b, p.12).

Essa recriação de significações ou resgate de significados antigos está associada ao olhar que se deve ter, o olhar que perverte, que desorganiza a ordem superficial e apolínea da linguagem. Este é o olhar do estrangeiro e o da criança. Muitas vezes, por não terem o domínio comum da língua[2] ou por possuírem um desejo de sair do assunto banal através da derivação (derivar: não ter uma âncora que prenda), são vistos como pessoas de fora e são automaticamente excluídos ou reprimidos.

Contudo, ambos são capazes de dar novas faíscas de vida ao cadáver apodrecido e fragmentado que jaz sobre a mesa de laboratório.



[1] Freud introduz uma grande questão em Escritores criativos e devaneio. Ele parte da idéia de que as fantasias alheias nos criam repulsa, então, como o autor consegue nos atrair e criar prazer com as suas? Ele acha que é esse O segredo do escritor: “A verdadeira ars poética está na técnica de superar esse nosso sentimento de repulsa, sem duvida ligado às barreiras que separam cada ego dos demais. (...) O escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos suborna com o prazer puramente formal, isto é, estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias.” (Freud, 1976 a, p.158). Ou seja, gostamos de uma obra de arte porque ela nos libera das tensões da nossa mente, como se o autor nos permitisse aproveitarmos nossos próprios devaneios sem vergonha, o nosso lado mais obscuro.

 

[2] A importância do estrangeiro e da criança, principalmente, está nesse balbuciar de palavras, de novas descobertas através da linguagem e a sua experimentação. Para Agamben, a infância constitui um experimentum linguae, uma recuperação da pura expressão, pois transforma a experiência sensível em linguagem (Souza, 2006e,p.151). Já o adulto parece um boneco automatizado que fica repetindo a mesmice e que não possui acontecimentos memoráveis que possam ser traduzidos em experiências narráveis.

 

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